Sobre o projeto

Aproximações: diálogos contemporâneos com o acervo do Museu de Arte Osório Cesar

A aproximação entre o homem e a arte é uma questão complexa e fascinante. E a arte tem desempenhado papel fundamental na história da humanidade, sendo uma expressão de nossas emoções, pensamentos e experiências. Ela nos permite explorar o comportamento humano e compreender o mundo ao nosso redor, assim como a nossa própria natureza.

Uma das reflexões importantes sobre a aproximação do homem com a arte perpassa justamente o poder transformador que ela pode ter sobre nós. Através da arte, somos capazes de transcender as limitações da realidade e entrar em contato com um mundo de possibilidades, de imaginação e de sonhos. Ela nos permite experimentar emoções intensas, despertar sentimentos e provocar questionamentos profundos sobre quem somos e quais são os nossos propósitos.

Além disso, a arte nos possibilita explorar a diversidade de perspectivas e experiências humanas e conecta-nos com diferentes culturas, épocas e contextos, permitindo-nos compreender a complexidade da condição humana. Através da arte, podemos ter acesso a histórias, visões de mundo e experiências que de outra forma permaneceriam desconhecidas para nós.

A aproximação com a arte também nos desafia a questionar nossas próprias crenças e preconceitos, abrindo espaço para a reflexão e a autotransformação. Ao entrar em contato com diferentes formas de expressão artística, somos convidados a expandir nossos horizontes, a considerar novas ideias e a repensar nossas próprias concepções sobre o mundo.

A arte também pode servir como meio de empoderamento pessoal e social, possibilitando que as pessoas encontrem suas vozes, assim como foi com a atuação  de Osório Cesar junto aos  pacientes do Juquery.

Corpos e materiais se fazem presentes no legado do Museu de Arte Osório Cesar, com simbologias que expressam identidades e contestam as normas estabelecidas pela academia. Nesse sentido, de fato, com o passar dos anos, a ELAP (Escola Livre de Artes Plásticas) produziu ali um repertório cultural que vai além do que o academicismo valida, reunindo múltiplas representações que vêm ao encontro do ser.

Por meio das obras hoje abrigadas pelo acervo do MAOC, podemos explorar questões relativas à justiça social, igualdade, gênero, raça e outras dimensões da experiência humana, promovendo diálogos e mudanças significativas para a contemporaneidade.

No entanto, é importante ressaltar que a relação entre o homem e a arte é altamente subjetiva. Cada pessoa pode ter uma experiência única e individual com uma obra de arte, e essa experiência pode variar dependendo do contexto, bagagem cultural e emoções pessoais. Portanto, não há uma única resposta ou interpretação correta em relação à arte, mas sim uma multiplicidade de significados e perspectivas.

Nesse sentido, o projeto “Aproximações: diálogos contemporâneos com o acervo do Museu de Arte Osório Cesar”, convidou oito artistas para abordar a coleção do Museu, que hoje ocupa a antiga casa do Doutor Franco da Rocha, de forma a elaborar interpretações de alguns desses trabalhos; interpretações essas reunidas em uma exposição inédita.

No caso da proposta de Edmar Almeida, fica nítida a aproximação entre o útero materno e a luz, uma metáfora que pode ser explorada de diversas maneiras na obra “Dar à luz #2 Caçamba” (2023). O útero materno é o primeiro ambiente em que um ser humano vive, um espaço escuro e protegido em que ocorre seu desenvolvimento físico antes do nascimento. Por outro lado, a luz é frequentemente associada a conceitos como iluminação, clareza, conhecimento e despertar. Essas relações foram gestadas através do olhar do artista a partir da obra sem título de Aurora Cursino, que apresenta um barco e uma criança em meio a uma sombra. O barco é a travessia da gestação, a luz, o cordão umbilical da incerteza e da espera que Aurora teve em toda sua vida ao encontro do filho.

Já “Vida e Morte, para João Rubens” (2023), de Fernando Limberger, apresenta uma relação com a natureza que pode ser interpretada simbolicamente. A natureza muitas vezes é associada à liberdade, beleza e harmonia, enquanto a opressão e a dominação são vistas como violação dessa ordem natural. Assim, a luta de Tiradentes (presente em uma das obras de João Rubens, abrigada pelo MAOC) é impregnada pela independência e pode ser entendida como tentativa de restaurar uma ordem natural mais justa e equilibrada, em que vida e natureza sejam analisadas ao longo dos dias na exposição no jardim do Museu.

“Volta para casa” (2023), de Jp Accacio, evoca o retorno a um lugar familiar, seguro e reconfortante. Pode ser interpretada tanto de forma literal, como o retornar à residência onde viveu o artista Ubiraraja Ferreira Braga, quanto de maneira mais abstrata, como encontrar um senso de pertencimento e tranquilidade em um ambiente conhecido. “Voltar para casa” pode ser uma forma de reconectar-se com pessoas queridas, com a própria identidade e com as lembranças que o ambiente evoca. É importante ressaltar que a ideia de voltar para casa pode ter significados diferentes para cada pessoa, dependendo das circunstâncias e experiências individuais, e, diante disso,  Jp Accacio propõe a distribuição de cartões postais, que circulam em diversas regiões da cidade de Franco da Rocha, estabelecendo um processo físico, uma comunidade, um relacionamento ou até mesmo uma sensação interna do apontamento gráfico que os postais provocam. O importante é que voltar para casa representa um retorno àquilo que é familiar, reconfortante e significativo para cada um em memórias ambulantes por onde passam.

O lugar em que o MAOC se insere é repleto de histórias e passagens, diante das quais  Marcelo Bressanin se voltou novamente ao contexto sonoro e, assim como foi em 2018, na Residência Artística “Soy loco por ti Juquery”, novamente nos provoca para uma escuta do céu. 

Porém, em “Alerta para o horizonte: vestível para escuta e observação do céu” (2023), o artista nos convida a observar o céu de Franco da Rocha e a escutar uma peça sonora inédita, elaborada a partir dos elementos visuais presentes na cena de guerra criada por João Rubens, por meio de um vestível tecnologicamente preparado, aproximando pela primeira vez em sua produção sonoridades e visualidades em uma obra híbrida e sinestésica.

Ser multiartista é um caminho fascinante e desafiador, que envolve a expressão da criatividade por meio de uma variedade de mídias, técnicas e estilos. Assim, Marilia Vasconcellos aborda diversas materialidades em seus processos e, em situações site specific, desafia seu repertório a cada trabalho, apresentando três propostas para a mostra. Em “Incendiário” (2023), as transparências, linhas e formas tramam justaposições entre formas e ângulos que capturam a memória de um sonho, que se faz presente em acontecimento no Juquery. Já em “Metamorfose” (2023), a efemeridade de uma escultura com massa de pão retoma técnicas escultóricas utilizadas pelos internos do hospital em processos de arteterapia. Por fim, em “Aenigma” (2023), a artista explora com muita energia camadas, texturas e volumes recombináveis pelo público.

Por sua vez, “Janelas” (2023), de Maura de Andrade, é uma expressão poética e metafórica que evoca a ideia de que os olhos são como janelas para a alma, revelando nossos pensamentos, emoções e experiências internas. A obra da artista faz uma aproximação das produções sem títulos de Francisco Charles Egas e de Waldemar Lúcio Raymond e de “Briga de Galo”, de Ubirajara Ferreira Braga, apresentando-nos uma instalação rígida e ao mesmo tempo suave no jardim, na qual as janelas podem revelar muito sobre o dentro e fora do Juquery, o vazio e o cheio, a fuga e a prisão, como um labirinto de ideias que estabelecem conexões mais profundas e empáticas com os outros que foram aprisionados aqui.

Afinal, quantas máscaras guarda o Juquery?

Ao cobrir o rosto ou parte dele, elas criam uma separação entre a identidade entre o artista e a persona que está sendo retratada. Isso permite que os artistas experimentem diferentes personagens, expressões e estados de ser, explorando a multiplicidade de identidades e as nuances do ser humano. Nesta direção, Victor Harabura apresenta “Máscara” (2023) e nos traz reflexões sobre o quanto a sensação de anonimato pode encorajar a experimentação e a expressão autêntica que o artista discute nesta grande escultura no jardim.

Já em “Emergir efêmero da memória” (2023), de Renato Almeida, encontramos a tentativa de trazer à tona lembranças ou experiências fugazes do quadro “Animais” de Albino Braz, no qual a gestualidade do desenho e a composição fantástica de figuras quiméricas inspiram inquietudes a respeito dos limites da chamada normalidade ou adequação nos termos da cultura contemporânea.

Reunindo estas propostas no jardim do Museu de Arte Osório Cesar, a mostra “Aproximações: diálogos contemporâneos com o acervo do MAOC” é um convite para explorar a interseção entre a natureza e a arte, a produção do passado, presente e futuro, uma sinergia harmoniosa que encontra expressão naquele espaço e contexto únicos.

Cada artista convidado(a) traz uma perspectiva muito particular, com obras que vão de esculturas e objetos até instalações efêmeras que interagem com o grande legado do acervo do Museu de Arte Osório Cesar. A sensibilidade estética e a habilidade técnica são evidentes em cada peça, resultando em um diálogo emocional e estético com o entorno natural do jardim.

Diante de tais resultados, agradecemos aos artistas que contribuíram para esta exposição, à equipe do Museu de Arte Osório Cesar, à Secretaria da Educação e Cultura de Franco da Rocha, à diretoria do Parque Municipal Benedito Bueno de Moraes, à Prefeitura Municipal de Franco da Rocha, à Bee Audiovisual Produções Culturais e ao ProAC Editais, que atuaram colaborativamente para proporcionar ao público esta experiência particular. Esperamos que todos desfrutem desta jornada artística em meio à serenidade do jardim do MAOC, encontrando inspiração e renovação em cada uma das obras em exibição.

Aproxime seu olhar: a arte está aqui!

Edmar Almeida

Curador

Aproximações e encontros com a arte no Juquery

O Museu de Arte Osório Cesar (MAOC) tem como missão preservar, pesquisar e comunicar as manifestações estéticas de artistas que passaram pela ala psiquiátrica do Complexo Hospitalar do Juquery, em Franco da Rocha. São aproximadamente 8 mil obras, entre pinturas em tela, desenhos em papel, esculturas e cerâmicas, criadas entre o início do século XX e o início do século XXI.

Osório Cesar, médico e crítico de arte, passou a estudar a arte no Juquery na década de 1920 e atuou como diretor da Escola Livre de Artes Plásticas (ELAP) entre os anos de 1956 e 1965, sendo um fio condutor para uma série de aproximações e encontros no Juquery, como visitas de Flávio de Carvalho e Lasar Segall, enquanto Maria Leontina, Clélia Rocha e Moacyr Rocha atuaram como orientadores na ELAP. Cesar ainda divulgou as obras de artistas do Juquery por meio de exposições em diversas instituições e publicou textos que resultaram no reconhecimento do valor artístico e da relevância histórica do acervo.

Albino Braz, acompanhado por Osório Cesar no Juquery, teve suas obras reconhecidas por outras instituições e integra os acervos do MASP – Museu de Arte de São Paulo, e da Coleção de Arte Bruta de Lausanne, Suíça. Contudo, pela perda de informações durante o decorrer do tempo, muitas obras têm autoria desconhecida, como é o caso das máscaras de cerâmica. Este fato não as torna menos importantes, pelo contrário. O potencial inesgotável de significados permanece em cada peça, semelhante à natureza das máscaras, que ocultam para revelar novos sentidos.

É na materialidade que temos o registro de alguns encontros. Aurora Cursino dos Santos e (João) Rubens Neves Garcia frequentaram a ELAP e dividiram suportes de obras, criando de um lado e do outro, fazendo perder a noção de frente e verso, propondo duas frentes e expandindo as possibilidades de leituras. Anos depois, entre as décadas de 1980 e 1990, já com o Atelier de Arte do Museu Osório Cesar, Ubirajara Ferreira Braga (Bira) retratou Aurora, com quem compartilhava o imaginário enigmático dos sonhos como um tema em comum, da saudade a um futuro premonitório.

Os artistas do Juquery não somente expressavam símbolos do inconsciente. Waldemar Lúcio Raymond, Almir D’Avila e Francisco Carlos Egas capturaram a diversidade de formas e cores do mundo exterior, com arquiteturas labirínticas, ruas coloridas, prédios antigos ou modernos. Dividiram o Atelier de Arte com Bira, autor da obra “Volta para casa” (1990), que evidencia um desejo pelo retorno à sociedade, em diálogo com a reforma psiquiátrica.

O Acervo do MAOC consiste em um século de histórias, em obras que expressam as subjetividades de seus criadores, possibilitando aproximações entre artistas, diferentes olhares e leituras de imagens.

 

Michelle Louise Guimarães

Museóloga e gestora do MAOC

Elielton Ribeiro

Historiador da arte e gestor do acervo do MAOC

Ficha Técnica

Equipe “Aproximações”

Idealização
Bee Audiovisual Produções Culturais

Curadoria

Edmar Almeida

Produção executiva
Marcelo Bressanin

Artistas convidados
Edmar Almeida
Fernando Limberger
Jp Accacio
Marcelo Bressanin
Marilia Vasconcellos
Maura de Andrade
Renato Almeida
Victor Harabura

Palestrante convidada
Paula Karkoski Pereira

Arte-educador
Mariana Neves Duarte

Assistência de produção
Mateus Torres

Fotógrafa e webdesigner
Marília Vasconcellos

Designer
Paulo Sandrini

Assessoria de imprensa
Serg Smigg

Prefeitura Municipal de Franco da Rocha

Prefeito
Nivaldo da Silva Santos

Vice-Prefeita
Lorena Oliveira

Secretário Executivo do Gabinete do Prefeito
Marcus Brandino Celeguim de Morais

Secretaria de Educação e Cultura de Franco da Rocha

Secretária de Educação e Cultura
Renata Maria de Araujo Celeguim

Secretário Adjunto de Cultura
José Adilson da Cunha

Diretora de Cultura
Mariana Massonetto

Museu de Arte Osório Cesar

Gestora do Museu
Michelle Guimarães

Gestor do Acervo
Elielton Ribeiro

Agradecimento

Parque Municipal Benedito Bueno de Morais